Por que nossos aeroportos são tão
congestionados e ineficientes? Antigos, superlotados, eles são piores do que os
de países muito pobres como Mali, Tanzânia e Zimbábue. Com o aumento do número
de passageiros, a chegada da Copa e das Olimpíadas, eles vão precisar de R$ 34
bilhões em investimentos até 2030 apenas para dar conta do recado.
Aeroporto de Vitória, Espírito Santo, em uma
quinta-feira qualquer. O desconforto da multidão que se espreme no terminal de
teto baixo é aumentado pelas obras de manutenção. São de emergência, para
manter funcionando um prédio que já esgotou sua capacidade há muitos anos.
Em 2006 a construção de um novo terminal foi
iniciada e pouco andou. As obras foram paralisadas em 2007, retomadas muito
rapidamente em 2008 e desde então estão abandonadas pelo consórcio responsável
pela construção do aeroporto.
Isso porque, em uma fiscalização feita em
2006, o Tribunal de Contas da União, o TCU, encontrou um rombo que já chegava
perto de R$ 44 milhões e determinou à Infraero que descontasse esse valor dos
futuros pagamentos ao consórcio, que não aceitou e abandonou as obras. Por
isso, o aeroporto de Vitória, que deveria estar operando desde 2008, ainda nem
saiu do chão.
O Tribunal de Contas da União relata o
pagamento de serviços que não constavam do contrato ou não foram realizados. O
consórcio, formado pelas empresas Camargo Correa, Mendes Junior e Estacon, não
quis gravar entrevista. Em nota, afirma que não houve superfaturamento nem
sobrepreço e que, com a determinação do TCU de descontar os pagamentos
considerados indevidos, não havia condições de continuar a obra. Por isso,
negociou com a Infraero a rescisão do contrato.
“Mas, em um caso desse, o que eu posso ver é
pura retaliação contra a decisão do tribunal”, afirma o ministro do TCU
Raimundo Carreiro.
Fantástico: Pra evitar fiscalizações
futuras?
Raimundo
Carreiro:
É.
O que restou da obra é pouco. Em alguns
pontos, veem-se as sapatas de apoio da estrutura. Em outros, só os ferros de
construção brotam do chão. A terraplenagem para a nova pista está como ficou há
cinco anos; a terra, exposta à chuva e à erosão.
Expostos também estão os passageiros. Sob sol
ou chuva, a ligação entre o avião e o terminal é pela pista, subindo escadas em
meio à movimentação e barulho de aviões.
Mas o aeroporto novo vai ter dez pontes de
embarque e desembarque, que ligam o prédio direto ao avião, aumentando a
segurança e o conforto dos passageiros. O preço de referência das pontes,
encontrado pelo TCU, foi de R$ 630 mil. Preço apresentado pelo consórcio: R$
2,925 milhões, quase cinco vezes mais caro. Somando as dez pontes, o
sobrepreço, prejuízo para o contribuinte, chega perto dos R$ 23 milhões.
Segundo o consórcio, a comparação de preços
por itens da obra não deve ser aplicada nesse caso, porque a concorrência foi
feita com preço fechado. Alega que outros itens estão abaixo do mercado e que
as pontes têm características próprias para cada aeroporto.
Em Vitória, uma obra que avança é a do posto
do Corpo de Bombeiros, junto à pista. É que a Infraero conseguiu separar esse
prédio do contrato original, porque a presença dos Bombeiros é fundamental para
melhorar a segurança do aeroporto. Pela mesma razão, a nova torre de controle
já está sendo erguida.
O reinício das obras do terminal novo foi
parar na justiça. Infraero e o consórcio foram orientados a renegociar para
finalmente terminar o aeroporto. Segundo o TCU, isso veio acompanhado de um
pedido inusitado feito pelas empresas.
“Um advogado, em uma petição, chegou a dizer
isso: que não se submetia à fiscalização do tribunal. Isso está escrito em uma
petição que o advogado apresentou aqui, mas foi descartado e depois foi até um
pedido de desculpas, e nós fixamos esse entendimento, que só voltaríamos a
analisar o assunto com os projetos completos”, diz Raimundo Carreiro.
Fantástico: Quer dizer, a obra foi começada em 2005 e
até hoje não tem um projeto executivo?
Gustavo do Vale (presidente da Infraero): Até hoje não tem o projeto
executivo pronto. O projeto executivo está sendo desenvolvido nesse momento.
Tanto o projeto executivo do terminal de passageiros, quanto o projeto
executivo da infraestrutura também não está pronto.
Como é que se chega nessa situação, em que já
havia uma obra em andamento sem projeto executivo, ficou parada quatro anos e
ainda não tem projeto? “No caso do sistema aeroviário, nós temos várias obras
que estão atrasadas por falta de projeto. Isso é um gargalo terrível”, afirma o
ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco.
Fantástico: O que faltou ali que permitiu que se
criasse essa situação?
Moreira Franco: Não é que faltou. Na minha
opinião, teve demais. Descuido com o dinheiro público. E achar que se poderia
praticar esse tipo de distorção a custo zero.
O ministro disse ainda que agora -
acompanhada pelo TCU - a negociação vai avançar. “Eu não tenho dúvida que o
aeroporto de Goiânia, em Goiás, que também tem o mesmo problema ocorrido na
mesma época são duas pedras no sapato da Infraero”, revela.
Hoje no Brasil há 58 obras de aeroportos em
andamento, incluindo os 15 maiores do país. Desde 2004, o número de passageiros
de avião no Brasil cresce 11% ao ano. Os embarques chegaram a 200 milhões por
ano e até 2030 devem passar dos 500 milhões. Isso porque, além da renda do
brasileiro ter aumentado, o preço médio das passagens de avião desde 2004 caiu
pela metade.
O Brasil precisa investir R$ 34 bilhões para
dar conta dessa demanda Hoje, 121 aeroportos recebem voos regulares. O governo
quer acrescentar à lista 270 aeroportos regionais. E é preciso melhorar os
grandes já existentes.
Um dos grandes gargalos é Guarulhos, em São
Paulo, o maior aeroporto do país. Um novo terminal, com capacidade para 12
milhões de passageiros, está sendo erguido rapidamente pela empresa privada que
ganhou a concessão do terminal no ano passado. Um novo estacionamento está
quase pronto. Uma obra que o governo tentava fazer há muito tempo. Em 2007 e
2008, o TCU apontou indícios de irregularidades que impediram a licitação da
obra.
Chegamos a 2011 com a ameaça de um apagão
aeroportuário: confusão, filas, atrasos. A Infraero decidiu transformar um
galpão de uma empresa aérea falida em um terminal remoto, o terminal 4. “Na
realidade, assim nós fizemos com dispensa de licitação. Por quê? Por que nós
precisávamos ter um terminal pronto ainda pro final do ano de 2011”, explica o
presidente da Infraero.
A obra deveria ficar pronta em prazo recorde
- seis meses. O ministro do Tribunal de Contas da União Aroldo Cedraz foi
pessoalmente fiscalizar.
Fantástico: Quando o senhor visitou a obra, o senhor
considerou a obra uma obra sólida?
Aroldo Cedraz: A estrutura metálica não
me inspirava segurança e que poderia cair a qualquer momento.
Fantástico: Como de fato caiu?
Aroldo Cedraz: Como de fato caiu.
Duas semanas antes do prazo para inauguração,
o teto desabou e se perdeu o prazo que justificava a emergência. Aberto depois
das férias de verão, o terminal está isolado do resto do aeroporto. Apenas três
empresas operam. O movimento é em torno de 100 mil passageiros por mês - contra
2,8 milhões nos terminais 1 e 2, menos de 4% do total.
Por tudo isso, o terminal 4 ganhou o apelido
de "Puxadinho". Um "puxadinho" de R$ 86 milhões. Alegando
urgência, a Infraero entregou a obra sem licitação para a construtora Delta, a
mesma construtura Delta envolvida em uma série de escândalos em obras públicas
espalhadas por todo Brasil.
Chama a atenção o acabamento. No teto, folhas
de alumínio que fazem o isolamento térmico e acústico se mexem com o vento.
Problemas nessa aplicação foram apontados em relatório do TCU, que fiscalizou a
qualidade da construção. O TCU encontrou piso rachado e vazamentos, e apontou
como causa a fiscalização deficiente na entrega da obra. Em nota, a Delta diz
que eventuais reparos de responsabilidade da empresa serão realizados na forma
e prazo determinados pela Infraero.
“Contra fato não há argumento. Até hoje, a
obra está subutilizada por questões de logística, diz a Infraero. Aquele
terminal chamado de puxadinho está subutilizado. Na verdade, o que aconteceu
foi o seguinte: R$ 85 milhões foram jogados no lixo. Dinheiro público jogado no
lixo”, afirma o procurador federal Matheus Baraldi Magnani.
“É importante que as pessoas ouçam e entendam
isso: as coisas mudaram. Nós não vamos ter complacência com o malfeito”, afirma
Moreira Franco.
A Justiça Federal aceitou esse argumento do
Ministério Público, anulou o contrato e condenou a direção da Infraero e da
Delta a devolver o dinheiro. A Infraero recorreu. “Isso está sendo contestado
em segunda instância, porque, afinal de contas, devolver R$ 86 milhões de uma
coisa que está pronta. É a mesma coisa: como é que eu vou devolver o terminal
pra poder ressarcir R$ 86 milhões?”, questiona o presidente da Infraero.
Para ele, o terminal 4 não merece a má
reputação.
Fantástico: Ele é conhecido em São Paulo como um
puxadinho.
Gustavo do Vale: É, mas na realidade ele
não é. Ele é um terminal de verdade. Ele foi feito com base no terminal remoto
do aeroporto de Lisboa. Ele está à altura não só do aeroporto de Guarulhos,
como de qualquer aeroporto do mundo.
Fantástico: É um puxadinho?
Moreira Franco: É um puxadinho. Por isso,
todo mundo chama de puxadinho. E evidentemente não vai se fazer a
infraestrutura aeroportuária de um que será inevitavelmente um dos maiores, uma
das maiores economias do mundo na base do puxadinho.
Em uma pesquisa sobre qualidade de aeroportos
feita pelo Fórum Econômico Mundial em 142 países, o Brasil está na posição 122.
“Hoje, você não tem um aeroporto no Brasil dando conta do recado”, afirma
Moreira Franco.
Não são só aeroportos. No Brasil, estradas,
ferrovias, até a transposição do rio São Francisco começaram sem ter projeto.
“O Brasil ficou 30 anos sem fazer obras. Isso
desmontou a maior parte das empresas de consultoria para realização de
projetos. Então nós tivemos uma deficiência. Tem poucas empresas no mercado
para fazer isso. E nós resolvemos, de maneira bastante clara, de que era mais
importante começar a fazer obras e entregar obras importantes que o país
precisava mesmo sem ter os projetos executivos prontos, porque o mais caro para
o Brasil é não ter a obra. Esse é o custo Brasil mais alto”, aponta a ministra
do Planejamento, Miriam Belchior.
“A questão da falta de pessoal no Brasil
pressupõe planejamento também do próprio Estado. Ou seja, pra que o Estado faça
uma obra ele tem que planejar de forma antecipada, ter técnicos para dar
assistência, para fazer a planificação”, diz o presidente do Tribunal de Contas
da União, Augusto Nardes.
Para dar conta do investimento necessário, o
governo anunciou transferir mais aeroportos para administração privada, como já
fez com Guarulhos, Viracopos e Brasília. As empresas vencedoras da licitação
administram e fazem ampliações nos terminais.
“Só pelo setor público, não vamos conseguir
resolver o grande desafio que é garantir ao cidadão brasileiro um sistema
aeroportuário adequado”, destaca Moreira Franco.
Na semana que vem: nem sempre a privatização
dá o resultado esperado. O Fantástico vai mostrar a situação das estradas
federais. Demoradas e caras, as estradas freiam o desenvolvimento do país.
Fonte: G1/Fantástico
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